Pobre da Trintona
- andggomes
- 16 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
Não adianta.
Passou dos trinta, a vida muda significativamente: viramos trintonas.
E esse grato título de condecoração não chega sozinho, com ele algumas mudanças começam a permear nosso dia-a-dia:
A academia, que antes era apenas um lugar para investir o valor da mensalidade e visitá-la uma vez por semestre, agora vira o templo de cada dia. Pobre do corpo da trintona se não fizer boas séries de rosca martelo, elevação lateral e muito, mas muito agachamento.
O trabalho, que antes era uma diversão leve que ocupava o tempo do dia entre o café da manhã e o happy-hour, agora começa a ser considerado peça fundamental do seu eu. Pobre da trintona que agora precisa encontrar um emprego que faça ela ter um propósito na vida, sentir-se completa e ser feliz todos os dias.
A terapia, que antes era um hobby, agora passa a ser um culto. Pobre da trintona que não tem uma psicóloga para idolatrar e indicar pras amigas.
As viagens, que antes eram caracterizadas pelo estilo aventureiro, limite de bagagem e a última fila do avião, agora só existem se o vôo for depois das 10 da manhã, o destino for tranquilo e o hotel tiver café da manhã incluso. Pobre da trintona, que antes de decidir o destino das próximas férias precisa acessar o mapa tático dos assentos de cada vôo pra descobrir a reclinação mínima do banco, se não, a coluna não aguenta.
O gosto musical, que antes era totalmente monotemático, ou seja: apenas o que tocava na playlist da balada sertaneja de domingo, agora virou eclético. Pobre da trintona que precisa dirigir uma hora pro trabalho aturando Charlie Brown Jr., Anitta e Vivaldi porque não quer discutir com sua playlist no carro.
O sono, que antes vinha certeiro às onze da noite e durava ciclos completos até às oito da manhã, agora decide sumir e nem dar explicação. Pobre da trintona, que além de aderir a chás pra dormir, simpatias com lavanda e o auto-castigo de ficar sem o celular por duas horas antes de deitar, ainda vai ter que aceitar que o Club 5am talvez seja uma sentença para ela.
O cartão de credito, que antes faturava com restaurantes, bares e lojas de roupa, agora paga a fisioterapeuta pro tornozelo, a ressonância do joelho e a conta do oculista. Pobre da trintona, mal sabe ela o que a espera na fatura do mês que vem.
A pele, antes tão elástica, firme e lisa, agora começa a dar altos sinais da desidratação composta acumulada durante a época dos vinte. Pobre da trintona, que precisa gastar quantias desafiadoras com produtos que prometem milagres, mas não importa o que aconteça, no fim do dia a área embaixo dos olhos vai estar sempre craquelada.
A ideia de jamais - mas nunca mesmo - ter filhos, que antes soava apenas como um bom plano, agora começa a se materializar como a melhor escolha da vida. Pobre da trintona que agora precisa ter decorado o script de resposta à pergunta: “E os filhos, quando vêm?” gerenciando estratégica e maquiavelicamente as repostas de acordo com o público alvo.
A vontade de ter filhos, que antes era apenas uma vaga ideia, começa a martelar na cabeça diariamente e a pressão aumenta a cada dia que passa. Pobre da trintona, precisa ter calma - tudo no tempo de Deus - mas deve se apressar: porque se chegar nos 35 sem filho: já era! É morte certa dos óvulos, é o fim da esperança, o inicio do desespero e o azar da medicina.
Os filhos, que antes não existiam, agora não só fomentam olheiras e exaustão, mas trazem também aquele amor incondicional que só uma mãe saberia explicar. Pobre da trintona que precisa aprender naturalmente o malabarismo sofisticado de amamentar, olhar o TikTok, fazer a janta, mandar aquele email que esqueceu hoje de manhã, confirmar a decoração do aniversário da sogra, e estender a roupa que ficou na máquina - e tudo isso com o filho de três anos no quarto ao lado vestido de homem aranha, gritando “baby shark” e mordendo o rabo do gato (com a devida supervisão do pai, é claro).
A alimentação, que antes qualquer hambúrguer com batatas fritas era considerado uma comida balanceada, agora se não tiver pelo menos um quarto do prato de legumes, uma porção de vegetais e uma colher de chá de azeite de oliva extra virgem em cada refeição, precisa ser acompanhada de sal de frutas pra auxiliar a digestão. Pobre da trintona que se não pesar a quantia de proteína na sua balança de precisão é amaldiçoada com azia pelo resto do dia.
A Netflix, que antes sugeria Jane The Virgem, 50 tons de cinza e Sex and the City, agora só indica documentários sobre Blue Zones, longevidade e intestino saudável. Pobre da trintona que não sabe cuidar com carinho e amor de sua microbiota intestinal.
Pobre da trintona, que apesar de saber o que quer, fazer o que precisa, ter sua liberdade e realizar suas vontades ainda vai levar um tempo pra descobrir que os seus trinta-e-poucos-anos são o início da melhor parte da sua vida.
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Esse texto é um presente pra todas as minhas amigas trintonas que estão nessa melhor fase! E especialmente pra mim. Essa trintona (com cara, corpo e coração de 25) que vos escreve.
Dia 23 de Agosto, sexta que vem einh… não esquece - meu aniversário! Feliz 33 pra mim!

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