Na próxima semana vai fazer seis meses que a Marília Mendonça partiu. Naquela sexta feira escura de Novembro, pra acalmar a mente, eu escrevi esse texto.
Não, não é um sopro.
A vida é um piscar de olhos – nossa sensação de infinidade termina no segundo que lemos uma noticia tão chocante, inacreditável e revoltante.
Em um minuto essa cantora poderosa estava fazendo reels no instagram, entrando no avião – feliz indo pra um show pós pandemia... Na hora seguinte o avião estava caído na cachoeira, sozinho. Como assim?
Ficamos chocados com acontecimentos como esse que perdemos totalmente o chão emocional (o pouco que ainda nos resta em 2021). Por mais que não sejamos familiares, amigos ou qualquer coisa próxima das vítimas, todos sentimos por eles. Porque acontecimentos assim provam de forma repentina quão finito é nosso tempo aqui e como temos zero controle a respeito disso.
Marilia Mendonça, Mamonas Assassinas, a filha do vizinho que bateu o carro, a amiga que descobriu o câncer tarde demais... será que eles cumpriram tudo o que tinham que cumprir e aí tiveram que partir?
Será que eles viveram todos os sonhos que tinham? Será que eles fariam algo diferente sabendo a data do seu fim nesse mundo?
Esse choque, essa tristeza, esses questionamentos que sentimos quando vemos acontecimentos terrivelmente trágicos como esses nos fazem parar. Parar e refletir:
Quanto tempo eu ainda tenho?
Como, quando, porque e onde será o dia do fim? Estaremos preparados?
Jamais saberemos - até a hora que saberemos.
Não há controle.
Psicólogos de plantão tirem as crianças da sala e vamos conversar.
Quanto antes aceitarmos isso, antes vamos enxergar a vida. A vida, os dias, o fim de semana, a Segunda-feira, o primeiro dia de trabalho depois de um mês de férias, com outros olhos... olhos mais intensos. Pro bem ou pro mal, mas mais intensos.
Pensar nisso muito profundamente, é entrar em um looping de paranóia infinito – por isso, para evitar essa agonia, vivemos na negação da morte. É muito mais fácil esquecer que ela existe.
Mas quando acontecimentos fatalmente revoltantes e de repercussão tão grande em nossas vidas - tal como um falecimento trágico - acontecem, nossa negação desaparece e ficamos desnudos frente a frente com a verdade:
De que não importa cor, raça, conta bancária, direção sexual, sanidade mental, etc etc... nós do pó viemos e para lá voltaremos.
E enquanto a única certeza da nossa vida que temos é a morte, a melhor forma de honrar nossa vida é vivendo. Cada segundo, minuto, hora e dia como se fosse o último, porque um dia será.
Ponto final.
E a grande jogada do Cara – que eu acredito que ele criou pra intensificar nossa passada por aqui - é que a gente não sabe como, quando, porque e nem onde será (ansiosos de plantão uni-vos!).
Eu tenho medo, não gosto de pensar.
Mas quando sou forçada a refletir sobre isso, tento fazer um cheque interno, lamber as feridas e reprogramar o sistema. Os fatos estão aí, depende de nós interpretar e internalizar o melhor de cada momento – por mais escuro que ele seja.
Se por um lado não temos controle de quanto tempo temos aqui, conseguimos de forma 100% realística controlar como vivemos e o que fazemos com o tempo ‘agora’:
Aproveitar a vida. Vivendo.
Fazendo o que gostamos, trabalhar com o que e como gostamos, sentir, viajar, ficar perto de pessoas do bem, amar os nossos, comer e beber o que nos faz feliz, gastar nosso $$ com experiências e coisas que nós realmente queremos, sermos gratos por tudo o que temos...
P O R É M
Ao mesmo tempo, no outro lado dessa moeda – tem o futuro – que nada mais é do que aquela miragem incerta, mas que também não podemos ignorar. Temos que nos preparar, para algo que, mesmo incerto, possivelmente vai acontecer: o amanhã. Então também é necessário economizar e comprar mês que vem, salvar $ pra viajar no futuro, ter uma reserva pra velhice tranquila, a escola do filho, a universidade da filha, (adicione aqui a sua angústia e necessidade para o futuro), etc...etc...
Essa balança presente/futuro da vida que não tem sentido e nem regra certa é muito difícil.
Felizes as crianças que não precisam pensar nisso.... Ainda.
A vida adulta com seus boletos infiéis nos esfrega na cara todo o dia que é preciso saber ajustar a balança da vida cada santo dia. Tomar conta de si, da família, dos amigos, da casa, do trabalho, do ontem, do hoje, do amanhã... Mas e aí, gastar tudo agora vivendo e não sobrar nada - saúde, energia, vontade, tempo, dinheiro, amor.. - lá pra frente? Ou economizar para viver melhor lá frente - mas e se esse 'lá na frente' não chegar? Mas e se chegar???
Cada um sabe de si. E no geral, acredito eu que o importante é dar-se por conta de que não importa quanto balanceada ou desbalanceada nossa balança da vida pode ser o importante é que a gente seja feliz hoje, pois nunca saberemos qual é o dia da pesagem final.
Enfim, finalizamos uma sexta-feira (fria aqui em San Rafael, CA) de uma forma mais reservada, mais intensa e não menos complexa.
Aliás, isso não tem a intenção de ser um texto motivacional, até porque seria patético tirar motivação do luto alheio. É mais um desabafo de mim para mim mesma a fim de acalmar os pensamentos e a ansiedade sobre o assunto vida versus morte que me atacou quando li a triste notícia hoje mais cedo. Talvez seja também uma reflexão de como mundano e simplório os nossos ‘problemas’ se tornam quando tomamos outra perspectiva na vida....
Talvez.
Mas tudo isso foi falado com a intenção final de dizer:
O importante é viver o hoje com a certeza de que quando o hoje se torne ontem poderemos olhar para trás com olhos orgulhosos e o coração feliz com o que foi feito.
Sem arrependimentos.
Sem medo.
Prontos pro que o agora nos reserva.
(Descanse em Paz, Marília.)
Pois então... embora frase feita - e até meio piegas -, a verdade é que o presente tem esse nome justamente por ser um presente. Acordar, estar vivo, respirar, e poder ver beleza nisso é o que torna nossa vida leve e plena. Simples assim, mas ao mesmo tempo tão complexo...