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A Sinfonia da Vida


As luzes da plateia se apagam e o som do silêncio domina o ambiente – arrisco a dizer que era possível escutar até as fagulhas da respiração da senhora ao meu lado.


Aplausos cortam o silêncio ensurdecedor.


É o Spalla entrando no palco e tomando seu assento na primeira estante, à esquerda do maestro. Mais uma salva de aplausos e vejo o Maestro entrar. Em um gesto de cumplicidade, graciosamente cumprimenta o spalla e sobe em seu púlpito donde conduzirá a orquestra.


Silêncio, mais uma vez. Agora nem a respiração da minha vizinha de banco eu escutava.


Era chegada a hora.

O maestro levanta a batuta em um sinal preparatório e, quando leva o movimento para baixo o som daquele agrupamento musical de cordas, madeiras, metais e percussão começa a bailar estonteantemente pelo ambiente e chega em minhas orelhas que custam a acreditar no que ouvem.

Inicialmente as cordas gerenciam o rumo linear da música, de quando em vez entram flautas para dar um charme, os sopros para dar um ar de realeza e potência e a percussão pra trazer o inesperado. Repentinamente tudo se encerra e apenas um violino solo segue chorando algumas notas melodiosas que nos deixam em ânsia para saber o que vem depois disso...


Agora, é necessário olhar para as mãos do maestro. Ele conduz a orquestra variando gestos firmes, fazendo a emoção e a velocidade aumentarem, e mesclando com gestos sutis e amorosos – quase carícias no ar fazendo a frequência mais lenta e o som mais suave.

Nesse ritmo, a orquestra sinfônica parece um monstro vivo respirando, ele cresce e diminui em questão de segundos.

É possível ver a música saindo dos instrumentos e é quase possível adivinhar o que vem depois... mas não se engane, caro amigo – a não ser que você seja um conhecedor fiel da obra – vais te surpreender!


Pois quando pensas que depois da calmaria dos violinos, contrabaixos e violoncelos entrará a tempestade dos trombones e das tubas – te enganas. A sequência que escutamos é uma flauta impiedosa acompanhada de clarinetes e oboés que, despretensiosamente, sussurram malícias em forma de notas musicais...


Em seguida, violinos e violoncelos entram para dar o acompanhamento e, quando tudo parece estar caminhando genuinamente para o seguimento dessa calmaria, gestos firmes e decididos do maestro fazem o som de trompas, trompetes, tubas e trombones estourarem e nos levarem para uma nova onda musical. Algo que não esperávamos – entram fortes instrumentos de percussão para dar mais drama ao som e a essa hora, os instrumentos já não são mais acariciados – agora tudo é tocado com muito vigor, braveza e determinação.


Os rostos antes calmos e serenos, agora focados e agitados em uma emoção que flui através do instrumento até nossas orelhas. Tudo fica alto e forte, o coração bate mais acelerado, o braço sente o arrepio e aquilo que tanto ansiávamos chegou: o ápice da obra Ein Heldenleben do alemão Richard Strauss.


Uma força musical concentrada – é impossível tirar o olho, é quase difícil de respirar – em um piscar de olhos é capaz de se perder a sutileza da sincronização entorpecente desses instrumentos. A música que sai nos faz dançar com a cabeça, bater os pés, querer levantar e gritar, uma emoção tamanha que não me permite usar palavras para descrevê-la.


E depois de tudo isso, o silencio impera.


Para o maestro, agora imóvel e cansado como quem domou um potro bravo com sucesso, tudo está acabado. Nem uma fagulha de som mais paira no ar - nada mais resta na sala além de uma plateia incandescida pela experiência que acabou de viver e que se deixa estourar a emoção da maneira mais genuína que encontra: uma chuva de aplausos.


Interessante pensar que essa apresentação me fez levantar um paradoxo com a vida.

Nossa jornada por aqui nada mais é que uma orquestra sinfônica de pessoas que encontramos pela vida, experiências que vivenciamos e decisões às quais nos sentenciamos.


Momentos da vida que são ritmados de maneira firme e constante, épocas de calmaria seguidas de momentos de glória com direito a trompetes e surpresas de percussão. Outros momentos mais duros temperados com ânsias, angústias e tristezas que tornam tudo barulhento demais, mas que também são continuados por ápices de felicidade seguidos de calmaria mundana...


E no final da apresentação – depois de ter saboreado cada segundo – um silêncio estrondoso se faz presente à espera de uma chuva de aplausos que comprove que a nossa existência repleta de altos, baixo, tenores, sopranos e surpresas é a vida que vale a pena ser vivida.


Que experiência, amigos. Que experiência! A orquestra sinfônica e a Sinfonia da Vida!



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