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A minha Nonna e a Bósnia e Herzegovina

"Bom dia!!! Panela no fogo e barriga vazia!”


Era assim que a Nonna nos recebia todo o domingo de manhã. Sempre com um largo sorriso no rosto, o fogão cheio, o mate pronto e o cheiro delicioso de comida feita com amor gritando tão alto que era impossível a vizinhança não saber: a Dominga está preparando o almoço.


A casa da Nonna sempre foi a Meca da comida boa. Italiana, gringa forte, trazia no sangue de família o poder de fazer comida simples e saborosa. E eu, que não sou boba nem nada, sempre soube aproveitar essa bonança que a vida me deu.

O almoço em família na casa Nonna sempre teve uma rotina. Primeiro, como uma boa casa de família italiana católica cristã, o primeiro programa do dia era assistir a missa na TV. Depois, a hora do chimarrão ocupava o restante da manhã. E quando era chegado o momento de sentar à mesa e iniciar a alegria gastronômica, todos se juntavam para um aperitivo: uma cachaça de butiá caseira ou algum outro drink feito pelas mãos da Nonna que tanto conhecimento carregavam no quesito sabor. E o brinde? “Viva a nós e morra o diabo!” dizia a Nonna com alegria!


Agora sim, a família toda ao redor da mesa pronta era o sinal que ela buscava. Como um maestro coordenando uma orquestra sinfônica grandiosa, a Nonna ia servindo a todos de forma impecável, e ela não descansava até ver todos os pratos fartos! E assim que começássemos a comer, o plantão da Nonna iniciava também.


O trabalho favorito da Dona Dominga durante o almoço era ficar rondando a mesa, como um guarda atento, para que, assim que o primeiro pedaço da carne terminasse em qualquer prato, a Nonna - mais rápida que dois amigos italianos conversando - já largava um pedaço de carne maior ainda no prato do vivente e completava sorrindo: “mangia que che fa bene”. Tenho certeza que meu incessante amor por comida e prazer em comer vem desses tempos.


Tenho várias lembranças do sabor da comida dela - da polenta, das sopas, das massas - mas acredito que a mais forte sempre será a carne com batatas feita no forninho: o prato tradicional de Domingo na casa da Nonna. Sempre servida em uma bandeija branca com detalhes em preto e algumas flores pintadas no fundo - a típica bandeija de casa de Nonna - a carne de vitela era acompanhada por ramos de alecrim, sálvia e batatas.


É difícil descrever o sabor, então deixa eu te explicar a sensação que era comer essa comida: sabe quando algo é tão bom e te deixa com uma sensação de felicidade tão esmagadora que é necessário parar, respirar e absorver o momento com calma para então acreditar que você está vivendo aquilo. Pois bem, essa era uma garfada da comida da Nonna. O sabor suave da carne de vitela era acentuado pelos temperos e criava uma complexidade que contrastava com as simples batatas de uma forma fenomenal. Isso tudo somado ao amor colocado na hora do preparo e ao fato de que - como a ‘pitchinina’ da casa e favorita da Nonna - eu sempre ganhava um ossinho recheado com tutano.


Um prato tão simples e extremamente tão complexo no paladar que, depois que a Nonna parou de cozinhar, há mais de 20 anos eu não experimentava. Até que duas semanas atrás, inacreditavelmente, em um restaurante de beira de estrada, na Bósnia Herzegovina, me deparei com o mesmo sabor da carne com batatas no forninho de domingo da Nonna.


Nada do ambiente, do cheiro, do cozinheiro e do país me lembraram da Nonna. Mas bastou apenas uma garfada na carne pra eu querer entrar cozinha a dentro e ter certeza que era ela que estava atrás daquele fogão preparando a comida. O sabor da carne de vitela e das batatas era o sabor do almoço de domingo na casa da Nonna Dominga. Me emocionei.


Não são raros os momentos que fico extremamente feliz comendo - afinal, eu como bastante e gosto de comer comida boa - mas a felicidade que senti naquele momento foi um sentimento experimentado pela primeira vez na vida. Uma mistura bem balanceada entre êxtase, saudades e gratidão.


Quem diria que eu reencontraria os sabores da Nonna em um restaurante - nada especial - à beira da estrada em um país tão único? A vida tem dessas mesmo! Viajar não apenas abre nossas mentes para um novo mundo, para descobertas e aprendizados, mas de alguma forma, viajar também nos ajuda a voltar às nossas raízes, olhar para nós mesmo e entender quem realmente somos.


Não brindei antes de almoçar, mas depois de comer - de tão feliz e emocionada que estava - antes de fechar a conta fiz questão de pedir uma dose de Rakija (uma bebida típica da região dos bálcãs) para o garçom pra poder celebrar:


“Viva nós e morra o diabo! - Essa é pra ti, Nonna!”.



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